Em que consiste o Regulamento?

Esta é, sem dúvida, uma das formas de atuação administrativa mais comum nos dias de hoje e, em especial, no nosso ordenamento jurídico. 

É comum a Administração fazer regulamentos ou legislar de forma a permitir uma melhor realização da função administração, incluindo estabelecer planos de atuações com o objetivo de estabelecer metas em termos legislativos. 

É normal que, devido à contínua evolução da sociedade, cada vez  mais a Administração pública tenha de coordenar planos, e também eles, cada vez mais complexos para responder aos novos problemas que enfrentamos. Portugal foi um dos países pioneiros no processo de autonomização do tratamento jurídico na matéria regulamentar, quando, por exemplo, comparado a  outros países, como a Alemanha, que apenas permite a impugnação de regulamentos do urbanismo e da construção, os outros não são suscetíveis de ser apreciados pelo que há aqui uma diferenciação que é importante e que resulta maioritariamente da doutrina.

Segundo o professor Vasco Pereira da Silva, com a reforma mais recente do CPA, surgiu uma noção de regulamento com a qual ele discorda. Na sua versão original, antes desta reforma, definiu-se o regulamento enquanto individual e concreto, e que era uma norma jurídica, o que se levava a considerar  situações intermédias que eram apenas gerais ou apenas abstratas. Aqui coloca-se a dúvida dos outros países quanto a saber qualificá-lo, pois, apesar de, em regra qualificar-se como regulamento, não havia precisão.

Na maior parte das situações nos nossos dias, as normas reguladoras não são gerais e abstratas, apenas contêm umas dessas características e o mais provável é serem regulamentos, dado que o legislador do CPC, prevendo esta situação estabelece uma ação de anulação e uma de condenação à omissão de normas jurídicas administrativas. O facto de o legislador, em vez de dizer ou gerais ou abstratas coloca gerais e abstratas poderia causar algum conflito se não houvesse esta norma que estabelece um mecanismo mais abrangente. É por isto que o professor defende que é preciso fazer outro tipo de interpretação, afirmando-se que as normas jurídicas são gerais ou abstratas e a isso corresponde um regulamento, isto permite a dupla impugnação, pois o particular está duplamente protegido- pode impugnar tanto a norma regulamentar, como o ato praticado à sombra do regulamento.


Qual o motivo destas discrepâncias? Digamos que não é exatamente a preferida entre os juristas.

Segundo o art. 136º, é necessário uma habilitação legal para se fazer um regulamento, é a própria Lei Fundamental que diz que ela deve regular e prever a competência subjetiva e objetiva para a emissão do regulamento. A competência subjetiva consiste em definir o órgão competente e a competência objetiva em definir a matéria sobre a qual ele versa. A lei de habilitação pode ser mais ou menos ampla, dado que pode prever que essa regulamentação seja a propósito daquela concreta lei ou a atribuição da competência pode não revelar nada, havendo uma maior autonomia do órgão no quadro da sua decisão no âmbito do poder discricionário. Estes regulamentos chamam-se autónomos ou independentes, por haver uma maior discricionariedade dos órgãos na elaboração dos regulamentos. 

O professor Freitas do Amaral, por exemplo, afirma que são leis em sentido material e formalmente são regulamentos, o que provavelmente se deve à sua formação, que tem na base uma componente positivista e outra que deriva da filosofia de Kelsen e Markl, segundo a qual a função administrativa e judicial seriam apenas executivas não sendo inovadoras e como o regulamento autónomo tem um grau de inovação maior que um regulamento de execução.

Para o professor Vasco Pereira da Silva, isto não é racional. O que está em causa é o exercício da função administrativa. Não importa se o órgão está a atuar mediante uma lei ou se ao exercer a sua competência legal tem algum poder de legislação, mas, ao mesmo tempo, também defende que, independentemente da lei que administra, qualquer ato jurídico é criador de um ato administrativo no âmbito da autonomia da administração e no âmbito do poder discricionário é criador do regulamento, mas, ainda mais criador, é uma lei, e, acima desta, a Constituição- mas não se poderá dizer que apenas estas últimas são inovadoras. E, na lógica de olhar para todos os regulamentos, considera-se que eles são uma dimensão da função administrativa, significando isso que não podem atuar em matérias reservadas. Dizer que um prédio é rústico ou urbano não é uma inovação no quadro do ordenamento jurídico em termos legislativos, mas é-o em termos administrativos, o que justifica o regime jurídico para aquele bem. É esta a fundamentação da posição do professor.

Há ainda, por ultimo, uma outra norma, o art. 137º que estabelece que há regulamentos devidos que são aqueles que a lei prevê como obrigatórios, e, se não forem efetuados, o particular pode ir a tribunal para exigir o seu cumprimento. Exemplo destes são os planos de desenvolvimento municipais que cada município tem de elaborar obrigatoriamente, sob pena de ilegalidade.


O legislador estabeleceu ainda uma hierarquia entre os vários tipos de regulamentos. 

O regulamento que tem uma posição hierárquica superior é o decreto regulamentar, promulgado pelo Presidente e que pode ser enviado para o TC.

Depois, estão as resoluções do Conselho de Ministros, quando têm conteúdo normativo.

Na base desta pirâmide, digamos, estão as portarias e os despachos.


Quanto à invalidade, face ao ato, há algumas diferenças importantes. 

Há um regime entre a nulidade e a anulabilidade, é um regime sui generis. Como dizia o professor Marcello Caetano, o regulamento correspondia a uma nulidade relativa-isto, segundo o professor, não faz sentido, mas, por outro lado, e olhando para as regras do regime jurídico, o regulamento pode ser invocado a todo o tempo por qualquer interessado e a todo o tempo pode ser declarado nulo pelos órgãos legislativos competentes. No nº2 a 4º prevê-se a possibilidade de esta declaração de invalidade produzir efeitos relativamente aos particulares ou em certas situações da ordem jurídica e, por isso, diz-se que é um regime a meio caminho entre a nulidade e a anulabilidade. 


As regras de procedimento são simples: no CPA está definido que estes podem ser de iniciativa da Administração ou dos particulares e que há uma instrução mínima que estabelece uma audição pública. Este regime não é tão forte como o dos atos administrativos, aqui há uma audiência coletiva, este regime tem vindo a generalizar-se e a tornar-se mais obrigatório do que o outro, em parte, como resultado do direito comparado, mas também, como resultado do Direito da União Europeia que, no quadro dos regulamentos em matéria urbanística e matéria do ambiente, impõe a obrigatoriedade da audiência.


Referências bibliográficas

Apontamentos das aulas de Direito da Atividade Administrativa


Raquel de Ataíde Afonso nº140118027


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