Atos tácitos

Como ponto positivo do atual regime dos atos tácitos, ressalta-se a eliminação definitiva dos regimes de ação por inação, resultado da reforma do contencioso de 2004, que promulgou o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), e da revisão constitucional de 1997, que estabeleceu o atual teor do artigo 268º, nº4 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Neste novo contexto, não se consagra de forma generalizada a figura do deferimento tácito em áreas específicas de competência administrativa, nem o indeferimento tácito como regra predominante. O último mencionado foi expurgado, e o primeiro foi restrito a casos bastante limitados. Atualmente, o único fundamento para a figura do deferimento tácito poderá ser o princípio constitucional da simplificação e desburocratização da atividade administrativa (artigo 267º, nº1 e nº2), considerando-se desnecessária a sua aplicação após a reforma do Contencioso e a criação da ação administrativa especial de condenação à prática do ato devido.

No ordenamento jurídico anterior a 2004, ainda seria possível argumentar que o deferimento tácito poderia garantir a tutela jurisdicional efetiva dos particulares, mediante a ficção de um ato administrativo contra o qual o particular pudesse reagir. Entretanto, esse paradigma já não é atual. Há poucos anos, contávamos entre os regimes administrativistas com forte influência continental, com traços bastante próximos do sistema francês, no qual predominava o indeferimento tácito - uma caracterização histórica da Administração como o grande Leviatã mencionado por Hobbes, ou seja, um Estado tendencialmente opressivo e autoritário. Hoje, graças à radical migração protagonizada pelo novo Código do Procedimento Administrativo (CPA), percebemos que nos aproximamos do regime vigente no direito germânico, com algumas características italianas, mas cuja principal nota é a completa rejeição do modelo francês, fortalecendo a posição dos particulares por meio da abertura da via administrativa e judicial para recursos.

Freitas do Amaral aponta três grandes falhas no princípio do indeferimento tácito: a raridade de sua verificação jurisprudencial, devido aos requisitos exigidos para a sua configuração; a morosidade no julgamento dos recursos de anulação dos indeferimentos tácitos; e a onerosidade e a incerteza associadas à execução administrativa de uma sentença anulatória de indeferimento tácito.

Através da eliminação do princípio do indeferimento tácito por silêncio da Administração após o término do prazo de pronúncia, permite-se a proteção efetiva do particular, evitando que sua pretensão seja destruída, com todos os efeitos prejudiciais a curto prazo, em favor da ineficácia do silêncio administrativo e do fornecimento ao administrado de uma dupla via para recursos administrativos e judiciais (artigo 129º do CPA).

Essa transformação do dever de decisão da Administração, que deixa de ser um mero princípio formal vazio de conteúdo, para se tornar um princípio material ativo na proteção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, demonstra ainda a possibilidade de responsabilização da Administração. Ao mesmo tempo, prioriza-se a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos administrados, mesmo em situações em que haja conflito com imperativos de celeridade, economia e eficiência, pois a resposta adequada não pode ser outra senão a proteção desses direitos. Isso ocorre porque a defesa dos princípios de (in)deferimento tácito relega para segundo plano o segundo maior princípio da atividade administrativa, logo após o princípio da legalidade, ou seja, o princípio da prossecução do interesse público, com suas duas dimensões, parcialidade e imparcialidade.

Uma decisão fictícia resultante de um silêncio administrativo é inevitavelmente uma decisão impensada, desprovida de reflexão, mecânica, que não se adequa aos mecanismos exigentes de proteção dos direitos dos particulares, que o procedimento administrativo visa garantir.

No entanto, é importante salientar que a opção por uma completa ineficácia do silêncio administrativo pode resultar num "entupimento contencioso", muitas vezes facilmente evitável pela simples adoção de um mecanismo de deferimento tácito ou indeferimento tácito, dependendo da área de vida jurídica em questão. Esta abordagem pode ter um efeito contraproducente, promovendo mais burocracia num procedimento administrativo que já é burocrático por natureza. O particular não terá apenas de aguardar o término do prazo de pronúncia da Administração, mas também, na hipótese de silêncio, terá de iniciar um novo processo de reclamação ou recurso hierárquico (dentro da Administração) ou, ainda, interpor uma ação administrativa especial de condenação à prática do ato devido perante um tribunal administrativo. Estes processos geralmente não se caracterizam pela celeridade.

Relacionada à crítica mencionada acima, pode ocorrer a emissão precipitada e viciada de atos administrativos quando os prazos de pronúncia estão prestes a caducar, devido à pressão hierárquica para o cumprimento formal dos prazos legais, visando reduzir ao máximo os casos de descumprimento do dever de decisão estabelecido nos artigos 129º e 13º, nº2 do CPA.



Madalena Cordeiro

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